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Conclave - Entre o Thriller Político e a Controvérsia Religiosa

  • Foto do escritor: Leitor da Manhã
    Leitor da Manhã
  • 1 de mai.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 1 de mai.

O filme "Conclave" (2024), dirigido por Edward Berger (conhecido por "Nada de Novo no Front") e baseado no romance de Robert Harris, chegou aos cinemas cercado de expectativas e, rapidamente, tornou-se um foco de intensos debates. A premissa é fascinante: adentrar um dos eventos mais secretos e ritualísticos do mundo, a eleição de um novo Papa, após a morte súbita do pontífice incumbente. O enredo acompanha o Cardeal Lawrence (interpretado magistralmente por Ralph Fiennes), decano do Colégio Cardinalício, que se vê na complexa posição de organizar e supervisionar o processo eleitoral, enquanto lida com as ambições, segredos e disputas de poder entre os principais candidatos – o progressista americano Bellini (Stanley Tucci), o conservador italiano Tedesco (Sergio Castellitto), o moderado canadense Tremblay (John Lithgow) e o ambicioso nigeriano Adeyemi (Lucian Msamati). A tensão aumenta com a chegada inesperada de um cardeal nomeado secretamente, Benítez (Carlos Diehz), vindo do Afeganistão.

Expectativas vs. Entrega:


Dado o histórico do diretor, o elenco estelar e a temática envolta em mistério e poder, esperava-se um filme que fosse, no mínimo, um drama político sofisticado ou um thriller psicológico tenso, explorando as complexidades da fé, da política e da natureza humana dentro dos muros do Vaticano. Em muitos aspectos, "Conclave" entregou o que prometia no quesito suspense. Críticos elogiaram amplamente a habilidade de Berger em construir uma atmosfera claustrofóbica e carregada de tensão, comparando o filme a um thriller de espionagem. A cinematografia de Stéphane Fontaine, com seus corredores sombrios e salas suntuosas, e a atuação de Ralph Fiennes, que captura a angústia e o conflito moral de seu personagem, foram consistentemente apontadas como pontos altos.

Contudo, a entrega do filme divergiu das expectativas em outros aspectos cruciais, gerando uma recepção polarizada. Enquanto a execução técnica e o ritmo de thriller foram celebrados, a representação da Igreja Católica e de seus líderes foi alvo de duras críticas. Diversos críticos e, notadamente, setores da própria Igreja, viram no filme uma representação caricatural e negativa, onde a hierarquia eclesiástica é retratada como um "viveiro de ambição, corrupção e egoísmo desesperado", como apontado por críticos religiosos citados em artigos. A narrativa foca nas intrigas, na compra de votos e nos segredos escusos dos cardeais, relegando a dimensão espiritual do conclave a um segundo plano, o que incomodou muitos que esperavam uma abordagem mais equilibrada ou respeitosa.


A Controvérsia Central e a Visão de Dentro:

A maior controvérsia, sem dúvida, reside no desfecho do filme. A revelação de que o cardeal eleito Papa, Benítez, é uma pessoa intersexo, chocou audiências e foi interpretada por muitos católicos como um ataque direto à doutrina da Igreja, que restringe o sacerdócio a homens. Essa reviravolta, embora dramaticamente impactante para alguns, foi vista por outros como implausível, sensacionalista e desrespeitosa, uma concessão a pautas progressistas que ignora a teologia e a tradição católicas. Críticos apontaram que o final parece destoar do tom mais realista do restante do filme, caindo em algo "piegas" ou forçado.

Nesse contexto, a opinião do Cardeal brasileiro Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e um dos eleitores no próximo conclave real, oferece um contraponto importante. Em entrevista, ele classificou o filme como "uma obra de ficção" que "não reflete aquilo que, ao menos nesses dias, aqui em Roma, eu estou vivendo". Ele descreveu o ambiente entre os cardeais como de "fraternidade", "proximidade" e "cordialidade extraordinária", um contraste direto com o clima de intriga e hostilidade retratado na tela. Essa perspectiva interna sublinha a distância entre a representação cinematográfica, focada no drama e no conflito, e a experiência vivida por aqueles imersos na realidade da instituição.


Reflexão Crítica:

"Conclave" se equilibra desconfortavelmente entre um thriller político eficaz e uma representação controversa de uma instituição religiosa complexa. A questão que emerge é sobre os limites da liberdade artística ao abordar temas tão sensíveis e figuras reais (ainda que ficcionalizadas). O filme opta por focar nos aspectos mais sombrios e politizados do Vaticano, sacrificando, talvez, uma exploração mais profunda das motivações espirituais ou das nuances teológicas que permeiam um conclave. A escolha de um final tão disruptivo levanta questões sobre a intenção dos realizadores: seria uma crítica calculada à rigidez da Igreja, um chamado à modernização, ou simplesmente uma ferramenta narrativa para maximizar o choque e o debate?

Ao reduzir o conclave a um jogo de poder com um desfecho que desafia dogmas centrais, o filme corre o risco de simplificar excessivamente tanto a instituição quanto as complexas questões de fé, gênero e identidade que tangencia. Embora bem-sucedido como entretenimento de suspense para muitos, sua abordagem dos temas religiosos gerou uma reação que questiona não apenas sua precisão, mas seu respeito pela fé que retrata. A tensão entre o valor artístico percebido e a ofensa religiosa sentida permanece no cerne da experiência de "Conclave", convidando a uma reflexão sobre como o cinema dialoga – ou colide – com as esferas do sagrado e do institucional.


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